Nesta edição, o Paladar apresenta algumas das melhores goiabadeiras do País. Fizemos um sacrifício danado e provamos 25 goiabadas (veja ao fim desta página um quadro com algumas das nossas escolhas). Cremosas e de corte. Vindas de Minas, do interior de São Paulo e do Rio. Puras e acompanhadas.
Mexer sem parar até dar o ponto
Quando aprendeu a fazer goiabada, Nelsa Trombino era muito moça. Tinha acabado de casar e morava numa fazenda em Minas. Esperava os empregados chegarem com a carroça carregada de fruta para começar a produção. Hoje, aos 73 anos, dona Nelsa tem a ajuda de quatro doceiras para fazer mais de 20 quilos de goiabada por semana, vendidos na loja de seu restaurante, o Xapuri, em Belo Horizonte. Faz a cremosa, que vem no vidro, e a cascão de corte, embalada em caixa de madeira.
Costuma usar goiabas como a paluma e segue uma proporção de 1 quilo de massa (incluindo a casca e a polpa) para meio quilo de açúcar. Separa a polpa, ferve e passa na peneira. Na panela de cobre, junta a casca, a polpa e o açúcar. Cozinha em fogo baixo, no fogão a lenha. "Tem de mexer sem parar, até dar o ponto", ensina a cozinheira, que leva três horas para fazer um tacho com 20 quilos.
E como saber o ponto? Depende da apuração desejada. Quanto mais tempo no fogo, mais dura e escura fica.
'Esterilizar' no sol e no sereno
Goiaba boa? Só a caipira, colhida direto do pé, no ponto certo. "A do mercado dá uma goiabada arenosa, escura. Não tem o mesmo sabor", diz Creuza Ferreira Duarte de Melo, goiabadeira da Fazenda Calciolândia, em Arcos, Minas Gerais, há 35 anos.
Ela acompanha de perto a colheita da tal goiaba caipira "quase" madura, para que não desmanche completamente no tacho de cobre e restem, entremeados no doce, pedaços da fruta. Creuza já fez experiências até com goiaba branca. E gostou. Fica mais amarelada, como marmelada. O ideal, diz, é misturar uma parte da branca para duas da vermelha. "Fica bom do mesmo jeito", garante.
Tem uma receita com mais açúcar e outra com menos. As duas resultam numa barra densa e de cor acentuada, mexidas no tacho por mais de duas horas. A tradicional leva 15 quilos de casca de goiaba limpa, 5 de açúcar e 1 de polpa bem peneirada. A menos doce tem 12 quilos da fruta, 2 de açúcar e meio de polpa. De resto, é só paciência para mexer o doce no fogão a lenha com pá de madeira.
"Se começar a queimar, é só tirar a panela do fogo, passar o doce para outro recipiente, lavar o tacho e voltar a goiabada para terminar o cozimento", ensina Creuza. Se passar do ponto e endurecer demais, basta voltá-la ao fogo baixo com um pouco de polpa ou água.
A colheita deste ano rendeu 219 quilos de goiabada, distribuída em caixetas de madeira forradas com papel manteiga. Não é vendida, e sim feita apenas para a família consumir e presentear amigos. De tão boa, o mais provável é que não dure muito. Mas resiste até um ano graças a uma técnica antiga da fazenda: Creuza "esteriliza" o doce por dois ou três dias, expondo ao ar livre, sob o sol e o sereno.
Receita tem seis décadas
Vinham de um goiabal familiar na Usina Jatiboca, em Minas Gerais, os frutos caipiras usados no fabrico do Doce daLata. Com a extinção da plantação, foram substituídas pela paluma. Mas a goiabada da marca mineira continua cremosa e com pedaços da fruta.
A empresária mineira Sônia Martins, do Doce daLata, segue à risca a receita de família repetida há mais de 60 anos. Usa 1 quilo de fruta para meio de açúcar cristal. Descasca a fruta e tira as sementinhas. Depois "refina" o açúcar cristal, levando-o à panela com água até obter uma calda. Para finalizar, põe suco de limão para dar brilho à goiabada.
O doce é vendido em latas vermelhas de 1 quilo. Sônia não tem loja nem aceita que a goiabada seja comercializada por terceiros. Ainda assim, só com a primeira safra de goiabas do ano, produz mais de 3 mil latas.
De presente a bom negócio
Foi para agradar aos patrões que Nelma Lúcia Moreira de Souza fez goiabada pela primeira vez, há 30 anos, na Fazenda Querença, no interior de Minas. Seguindo a receita da mãe, usou duas partes da fruta para uma de açúcar. O doce fez tanto sucesso que teve de ser repetido inúmeras vezes. Virou um regalo para a família e os amigos. Mas os pedidos aumentaram tanto que a produção de goiabada virou um negócio sob supervisão da Nelma. Durante o período da safra, ela usa a goiaba caipira da fazenda. Nos outros meses, tem fornecedores que cultivam a fruta na região. Diariamente, Nelma e sua equipe fazem de três a quatro tachadas de goiabada artesanalmente no fogão a lenha, além de doces de outras frutas. Cada tacho rende, em média, 30 latas de 750 g.
Fonte:
http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos%20paladar,hoje-tem-goiabada,4497,0.htm